1 de novembro de 2013

A construção social da mulher

Texto de Keila Meireles dos Santos.
Esse ensaio(1) contempla minha experiência de mulher negra na cidade, de algumas familiares e de conhecidas, cujo fim contempla a proposta dessa reflexão, que é a de mostrar a construção social da mulher incluindo-me como mais um sujeito feminino fruto dessa construção. Ressalto, desde já, que são necessárias análises de pesquisas mais aprofundadas para chegar a uma conclusão definitiva e que essa proposta está sendo trabalhada em minha pesquisa de mestrado em curso.
A chegada de uma criança ao mundo gera expectativa das pessoas envolvidas, principalmente quanto ao sexo do bebê. Se for um menino, os comentários acerca da perpetuação do nome da família, sobretudo do pai, geram diferença em relação à menina. As roupas e o modo de educar são diferenciados para crianças. Desde pequena, a menina é ensinada tanto pela família quanto por outras pessoas, que ela deve fechar as pernas ao sentar-se e andar sempre vestida. No ambiente privado é reservado a ela o refúgio contra qualquer violação, pois a rua é o perigo. Nem sempre essa afirmação é verdadeira, porque sua sexualidade vigiada desde seu nascimento pode ser também explorada. Espaços privado e público para a mulher oferecem os mesmos riscos de violação de seu corpo e sua mente; a diferença desses riscos pode ser pontuada pela complexidade do machismo e do racismo nesses ambientes.
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de ruptura masculinos, e longos períodos de gestação, femininos (BOURDIEU, 2012, p.18).
A mulher é uma construção masculina. O que ela é ou faz é definido pelo que o homem entende do que é ser mulher e qual o papel que ela deve desempenhar na sociedade. As faixas etárias femininas são importantes para frear ou estimular quais ações elas estão autorizadas ou desautorizadas a desempenhar. É importante ressaltar que não existe mulher machista, o que existe é a generalização da violência machista sexista que influencia a mulher a se autovigiar, vigiar e denunciar outra mulher, reproduzindo a violência que a oprime.
Na cultura do machismo, todos são responsáveis pela construção do modelo da mulher. Familiares, Estado e sociedade são controladores e manipuladores das identidades femininas. Nesses modelos construídos, a mulher é dividida na categoria tolerável “santa” e na categoria abominável “puta”, a mulher feita para “casar” e a mulher para “usar”. Essas identidades são impostas de maneira violenta, obrigando cada uma a enquadrar-se nas categorias definidas pelo machismo e pelo racismo, independente da identidade que a gente acredita se adequar. Pode ocorrer de ela acreditar que a identidade imposta é a que ela realmente se apropria.
Ao discorrer sobre a construção social dos corpos, Bourdieu (2012, p.16) analisa que a construção da sexualidade realiza-se na sua erotização, deixando de perceber a cosmologia sexualizada “que se enraiza em uma topologia social do corpo socializado, de seus movimentos e deslocamentos imediatamente revestidos de significação social” associa ao homem a virilidade e superioridade no ato sexual. A divisão sexual das coisas e das atividades como oposição entre o masculino e o feminino assume funções objetivas e subjetivas.
A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação (BOURDIEU, 2012, p17).
A divisão sexual dos corpos, para Bourdieu, é a concordância entre as estruturas objetivas e cognitivas que as conforma como uma divisão natural e evidente, deixando de lembrar as condições sociais de sua possibilidade, reconhecendo e dando legitimidade a essas divisões arbitrárias. “A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação”(BOURDIEU, 2012, p.18). Para ele, o “mundo constrói o corpo como realidade sexuada” e deposita e impõe todos esses princípios de visão e divisão sexualizantes, inclusive “ao próprio corpo”.
“A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a divisão anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho” (BOURDIEU, 2012, p.20).
A perversidade do machismo e do racismo associados com o capitalismo causam a objetificação e a desumanização do sujeito feminino transformando-o em “mulheres commodities”(2) forjadas pela comercialização dos seus corpos para fins de exploração pelo homem. A exploração da mulher é feita da maneira mais sutil (veiculação da sua imagem desnudada em comerciais e programas de televisão) e também extremamente escancarada (trabalho escravo e tráfico para fins sexuais). Isso depende do “tipo” de mulher que está sendo comercializado e de como a sociedade apreende esse comércio. As “cidades globais”(3) corroboram para a comercialização feminina em que ela é apenas mais um produto.
O ambiente público das cidades é inimigo da mulher, sendo a noite o momento mais inóspito. A mulher olha para os locais abandonados com medo da violência física. As cidades abandonadas são ameaçadoras para nós em razão de ruínas, lugares descampados, ruas desertas e deficiência de iluminação pública. Uma violência devastadora física e psicologicamente temida pela mulher é o estupro. Entretanto, há inúmeras outras violações cotidianas sofridas no espaço público que causam medo, intimidação e constrangimento na mulher.
Foto de Julien Mourlon no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Foto de Julien Mourlon no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
A mulher sozinha na rua é considerada uma pessoa sem dono, a ela pode ser desferido qualquer palavrão e xingamento, pois lhe é merecido pelo fato de estar sozinha. Ela não deve perambular desacompanhada de um homem e não deve responder às ofensas. O corpo da mulher não é dela, é de qualquer homem, pois assim o machismo e o racismo operam. Quando a mulher abre mão do princípio que impõe qual é o seu lugar, ela autoriza o homem assoviá-la, gritá-la, tocá-la e dizer qualquer coisa, seja em voz alta, em grupo, ou ao pé do ouvido. Essas manifestações são mais frequentes nas ruas da cidade e nos transportes públicos. A mulher é chamada de “gostosa”, “piriguete”, “delícia”, por homens que elas jamais viram e ou deram a menor intimidade, mas também são tratadas assim por familiares, vizinhos e amigos tanto no ambiente privado quanto no público.
Toda mulher é vulnerável a práticas machistas, sejam proferidas por homem, ou por outra mulher. Todavia, a mulher negra particularmente trava batalhas cotidianas contra o racismo que a objetifica e a desumaniza pela sua cor, de forma que o machismo se configura apenas como mais um agravante nessa luta. Se a mulher branca em alguns momentos de sua vida, ainda que na infância, fosse considerada angelical, a negra jamais foi porque nasceu negra e por isso é destituída de qualquer inocência.
As violações físicas e simbólicas são inerentes à raça segundo a lógica racista. Idade e classe são apenas outros sintomas. Se no caso da mulher branca, é o machismo quem dita as regras, a mulher negra é encabrestada pelo racismo que define que ela é objeto de uso destituído de qualquer direito. Se o machismo na esfera familiar e do Estado constrói modelos de mulher branca que devem ser aceitos e os que não devem ser tolerados, a mulher negra enfrenta o racismo institucional e social que emprega nela apenas a segunda alternativa. A mulher é uma categoria histórica e socialmente estigmatizada pela associação da sua imagem ao demônio devido à sua sexualidade, à menstruação, entre outros atributos socialmente inferiorizados e depreciativos. Segundo Goffmann (1891, p.8)
Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças.
É recorrente nas conversas com homens sobre os direitos da mulher sermos questionadas de que queremos direitos iguais e não conseguimos carregar um saco de cimento. Tais discussões são pautadas nas diferenças biológicas que tendem a inferiorizar a mulher, que é socialmente construída como o “sexo frágil” e por isso precisa do homem para protegê-la e realizar tarefas braçais, que são de difícil realização pelo sexo biologicamente feminino. Para Bourdieu (preâmbulo, 2012)
as aparências biológicas e os efeitos, bem reais, que um longo trabalho coletivo de socialização do biológico e de biologização do social produziu nos corpos e nas mentes conjugam-se para inverter a relação entre as causas e os efeitos e fazer ver uma construção social naturalizada (os “gêneros” como habitus sexuados), como fundamento in natura da arbitrária divisão que está no princípio não só da realidade como também da representação da realidade e que se impõe por vezes a própria pesquisa.
A construção social da mulher negra
Tratarei agora da construção social da mulher negra no contexto social brasileiro considerando sua particularidade de sujeito histórico e também político por ocasião de sua identidade negra subjulgada pelo racismo. Ser mulher e negra no Brasil é carregar um duplo fardo de dominação. Antes de falar do direito e da liberdade de ir e vir e à cidade para a mulher negra, primeiramente é indispensável a defesa do direito à sua vida. Souza (1985), no livro “Tornar-se Negro”, um estudo de psicanálise sobre o negro no Brasil, e Munanga (2006), em seu estudo antropológico “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra”, chegaram à seguinte conclusão: o sonho do negro no Brasil é a extinção da sua própria raça.
Carneiro (2003) explicita que a mulher negra não é rainha de nada, que não faz parte do padrão estético hegemônico de mulher, que é branco. Ela advém de uma experiência histórica de diferença. À mulher negra é imposta a identidade de objeto que a destituí do direito da sua condição humana. Refém da história que transformou seus ancestrais em “coisa”, ela carrega o ranço da coisificação de seu corpo imposta pela dominação racista, machista, capitalista. O corpo sexualizado da mulher negra é vivido sob o domínio da opressão racista que o distingue da mulher branca. Distante do modelo feminino socialmente aceito, seu corpo é para o uso, é diabólico, insaciável e incansável sexualmente.
A “mulata”, associação à mula (fruto da cópula entre jumento e égua), tem seu corpo animalizado pelo seu formato na relação sexual, no trabalho de parto e braçal. Essa associação perversa é uma das causas da desumanização da parturiente negra e de seus filhos, que acarreta no alto índice de morte materna pela negação do atendimento médico adequado, o qual é disponibilizado à mulher branca nas mesmas condições, e da mutilação de suas trompas de falópio sem seu consentimento por profissionais de saúde que fazem políticas públicas paralelas.
Alguns estudos publicados indicam que a morte materna por toxemia gravídica (a primeira causa de morte materna no Brasil) é mais frequente entre as mulheres negras. Eles revelam que a taxa das mulheres negras é quase seis vezes maior do que a de mulheres brancas. Em razão de serem, em sua maioria, chefes de família sem cônjuge, mas com filhos, a mortalidade materna de negras consequentemente relega à orfandade e à miséria absoluta um número significativo de crianças. As causas de morte materna estão relacionadas à predisposição biológica das negras para doenças como a hipertensão arterial, fatores relacionados à dificuldade de acesso e à baixa qualidade do atendimento recebido e a falta de ações e capacitação de profissionais de saúde voltadas para os riscos específicos aos quais as mulheres negras estão expostas (MS, p.10).
Uma de minhas primas há nove anos deu entrada numa maternidade na Bahia para dar a luz a duas meninas. Após o procedimento, o médico avisou que ela não precisava se preocupar porque não teria mais filhos. Ele havia feito a laqueadura de trompas durante o parto. Uma outra prima, no trabalho de parto do primeiro filho, teve a mãe impedida de acompanhá-la no hospital público da cidade de Barra também na Bahia. Após ficar a noite inteira sozinha no quarto, recebeu a visita de uma enfermeira pela manhã que percebeu seu pescoço roxo e alertou que ela estava fazendo força de maneira errada(4). Durante o parto, a médica a chamava de égua e falava que ela havia gostado de fazer o filho, então devia aguentar parir. Uma semana depois, essa prima deu entrada novamente no mesmo hospital com hemorragia. Foi diagnosticado que havia ficado com restos de parto. Ao relatar esses casos em uma roda de conversa com mulheres negras feministas, descobri que era apenas mais uma história compartilhada com tantas negras mães, irmãs, tias, primas e conhecidas.
O parto para muitas negras é o fechamento de um ciclo de humilhações e horror que é praticado tanto no seio familiar quanto na sua comunidade. De volta às observações empíricas, meninas negras de classe baixa que engravidam, muitas ainda na adolescência, são xingadas e não raramente espancadas por pais e mães. A comunidade complementa com frases depreciativas tanto em relação à mãe quanto à criança: “Bucho na boca”;“Achou o que tava procurando”“prenha” e indagações acerca da paternidade incerta da criança, dando a entender que a garota não sabe quem é o pai do filho. Tais frases pejorativas mudam de acordo com a localização geográfica e a classe social da menina. Muitas vezes essas humilhações são minimizadas com o nascimento da criança quando ela é aceita pela família. Vale ressaltar que a maioria das chefes de família no Brasil é negra.
Para chefiar uma família a mulher precisa trabalhar para garantir o seu sustento. Diferente da mulher branca que lutou nos movimentos feministas pela garantia do direito ao trabalho, a negra sempre trabalhou. Gilberto Freyre, em sua emblemática obra “Casa Grande e Senzala”, reconheceu a contribuição negra na constituição da sociedade brasileira. Essa obra foi citada pelo senador da República, hoje com mandato cassado, Demóstenes Torres numa audiência pública sobre cotas raciais no Supremo Tribunal Federal. Demóstenes Torres afirmou que os movimentos negros afirmam que as negras foram estupradas no Brasil e que a nossa miscigenação se deu pelo estupro. Entretanto, o Senador afiançou que Gilberto Freire mostrava que isso aconteceu de uma forma mais consensual e que felizmente isso levou o Brasil a ter sua miscigenação racial. Finaliza sua amarga fala com o pensamento de Joaquim Nabuco acerca da peculiaridade de que no Brasil havia traficantes negros de escravos.
A insistência de alguns membros da sociedade em culpabilizar o sujeito oprimido pela violência que ele sofre é uma prática cotidiana contra a mulher chamando-a de machista, no caso da mulher negra criminaliza-a de racista. Negro não pratica racismo, porque racismo se dá pelo pensamento de superioridade de uma raça em relação à outra raça. Raça é uma construção social biologicamente inexistente (SANTOS, 2007). As práticas racistas são disseminadas por agentes integrantes da sociedade branca e das instituições estatais, ou seja, temos um racismo institucional historicizado pelo exemplo da política pública do branqueamento. Política de incentivo à importação de europeus, no caso concreto dos italianos, cujo objetivo era de embranquecer a população brasileira e extinguir a população negra. O censo de 2010 mostrou que, ao contrário do que previa tal política pública institucional, a população negra superou a branca em 50,7% da população total brasileira.
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A política do branqueamento não ganhou êxito em termos numéricos, mas social e psicologicamente tornou-se feroz. A “Redenção de Cam”, obra do pintor Modesto Brocos, retrata em pintura o drama de ser mulher negra. Na tentativa desesperada de fuga da discriminação, os sujeitos negros buscam relacionamentos afetivos com pessoas brancas. É comum ouvirmos que pessoas negras não gostam de casar entre si. Homem negro busca mulher branca e mulher negra procura homem branco. Infelizmente nessas discussões não é colocado se a mulher negra encontra o homem branco. As pesquisas apontam que quanto maior a renda do homem negro, maior a probabilidade de se relacionar com mulher branca, já o racismo do homem branco recai sobre a mulher negra.
Finalizo esse debate refletindo sobre o lugar da mulher negra na cidade, que é uma experiência desafiadora para ambas visto que a cidade é um lugar masculino que emprega fronteiras para o sexo feminino. Entretanto, a mulher negra enfrenta as “barreiras invisíveis” próprias do racismo. A circulação dela em alguns espaços públicos, ainda que seja em seu ambiente, em ambiente próximo ou no horário de trabalho pode despertar constrangimento, desconfiança e ódio em outras pessoas. Ela não é impedida por nenhuma lei de transitar pela cidade ou em qualquer lugar público, mas a segregação espacial simbólica é implacável. Sua circulação numa loja desperta, muitas vezes, a atenção do lojista em vigiá-la, porque sua cor não é confiável. Soma-se a opressão machista à violência racista, ambas responsáveis pela marginalização da mulher negra da cidade.
Do ponto de vista espacial é sabido que trabalhadoras domésticas, quando não vivem na casa dos(as) patrões(as), em quartinhos de empregada (cada vez mais minúsculo), moram com suas famílias em bairros populares e/ou favelas com grandes carências de serviços públicos, onde fazem deslocamentos diários usando serviços precários de transporte coletivo para os bairros médios e ricos que lhes custam recursos e tempo de trabalho não pago. Os problemas decorrentes da estrutura familiar patriarcal, que lhes exige realização das tarefas domésticas no lar também gratuito, antes de ir ao trabalho, significam uma jornada de trabalho bastante extensa. Sob o mesmo sistema patriarcal, as mulheres de outras
classes
 sociais, que trabalham fora ou não, colocam para as empregadas domésticas este trabalho essencial para a reprodução social que garante o ciclo vicioso da exploração e dominação masculina. Assim, a tripla discriminação de gênero, raça e classe a que estão submetidas as mulheres negras no sistema patriarcal, sistema sexual do poder comum a todas as mulheres, tece os dramas e paradoxos cotidianos em processos complexos e contraditórios (GARCIA, 2012, p.150).
A mulher, branca ou negra, enfrenta dois vilões implacáveis em suas vidas que agem de forma tão perversa que é possível afirmar que é preciso que a mulher usufrua da cidade, mas para isso é preciso construir outro modelo citadino, porque esse é insalubre para a saúde física e psicológica da mulher. Aponto ainda que tem sido comum a migração da mulher de um bairro para o outro ou de uma cidade para outro. Isso se dá por diversos motivos, a procura por trabalho e as políticas de remoções pelo poder público são alguns exemplos. Quando a mulher migra leva junto a sua casa. A ideia de casa aqui vai além de um espaço físico, é uma construção simbólica. Os filhos, as obrigações familiares, as tarefas domésticas e a mulher constituem a casa. Por isso, os direitos das mulheres precisam ser respeitados.
Ao perseguirem sua autonomia, o respeito a sua dignidade e a sua integridade física; ao tentarem rearticular os espaços privado e público em outros termos, transformando o primeiro e ampliando sua inserção no outro; em suma, ao reivindicarem o fim da opressão de gênero, sendo esta tão onipresente, certamente as mulheres apontam não só para uma sociedade em que elas possam viver melhor, mas para um Brasil potencialmente menos injusto no conjunto de suas relações sociais. Quanto aos homens, sobretudo como principais responsáveis pela maioria das instituições sociais, podem optar pelo status quo ou contribuir para acelerar essas mudanças (VENTURI, RECAMÁN, 2004, p.26).
Notas
(1) Esse texto é parte de um ensaio entitulado “A cidade para as mulheres” (.pdf), apresentado ao Segundo Seminário Fluminense de Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF).
(2) Commodities são mercadorias de origem primária comercializadas em estado bruto com baixo grau de industrialização.
(3) “Seria, portanto, “global” a cidade que se configurasse como “nó” ou “ponto nodal” entre a economia nacional e o mercado mundial, congregando em seu território um grande número das principais empresas transnacionais; cujas atividades econômicas se concentrassem no setor de serviços especializados e de alta tecnologia, em detrimento das industriais.
(4) Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
Referências
  • BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
  • CARNEIRO, Sueli. “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero” (.pdf). In: Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003.
  • FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Editora Global, 2006.
  • GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 1891.
  • Ministério da Saúde. Perspectiva da Equidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal Atenção à Saúde das Mulheres Negras (.pdf). Brasília, DF, Editora MS, 2005.
  • MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
  • SANTOS, Sales Augusto dos. Movimentos negros, educação e ações afirmativas. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2007.
  • SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro, ou, as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
  • VENTURI, Gustavo; RECAMÁN, Marisol. As mulheres brasileiras no início do século XXI. In: RAGO, Margareth; VENTURI, Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely de (Org.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
Autora
Keila Meireles dos Santos é mulher negra, feminista e aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS-UFF).

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