Na história da humanidade, os papéis sociais e sexuais separaram homens e mulheres. Homens assumiram papéis de comando e se tornaram provedores e patriarcas: senhores da sociedade e de suas famílias. Às mulheres sobraram papéis secundários, obediência, recato e repressão.
Esse modelo de sociedade patriarcal se estruturou sob o silenciamento da mulher, a violência e a desigualdade de gênero. O resultado é que foram produzidas variadas formas de violência que se estruturaram nesse modelo de patriarcalismo, configurado no aprendizado da submissão e da ordem estabelecida: nas brincadeiras de crianças, no trabalho doméstico, na dupla moralidade em que se estruturou a sociedade machista.
Aos homens, tudo foi permitido: ter mulheres e amantes, constituir famílias fora do casamento, convidar e trazer mulheres para seus relacionamentos. Porém, os preconceitos respingavam sobre as concobinas, as amantes e os filhos nascidos fora do casamento, nada colava no homem. Um modelo de cultura perversa e autoritária que justificou inclusive o crime praticado contra mulheres em caso de adultério feminino.
Assim, a violência contra a mulher foi banalizada, pois um homem que matava sua mulher adultera apenas lavava e limpava a sua honra. Em pleno século XXI muitas mulheres continuam sendo assassinadas e perseguidas, mesmo que não se use mais a tese de legítima defesa da honra. Novos homens, herdeiros do machismo e do autoritarismo dos velhos coronéis, continuam intimidando, perseguindo, buscando destruir a imagem das mulheres que não mais se submetem aos seus domínios e interesses privados.
A violência física, psicológica, a alienação parental, a intimidação ainda são parte importante de relações doentias que se mantém mesmo com o fim dos namoros, casamentos e uniões estáveis, incendiadas pelo rancor, pelo ódio, pela luta pelo patrimônio. Riquezas construídas com o trabalho da mulher, mesmo quando esse trabalho foi o de cuidar da casa e dos filhos. O desejo de destruição do outro, em geral da mulher, é o processo central desse processo de desumanização.
Nesse processo doentio se desumanizam homens e mulheres na ausência de um modelo restaurativo de solução de conflitos, pois independente de nossos “pecados” e “desvios” continuamos humanos: pais, mães, filhos, filhas, irmãos e irmães, humanos (as), fortes e frágeis.
Marias, Clarices e Karinnys e tantas outras mulheres vítimas da desigualdade de gênero continuam sendo assassinadas, torturadas, ameaçadas, julgadas e tem sua imagem pública e privada destruída quando não mais correspondem as expectativas sociais e sexuais para as quais foram “destinadas”.
Diante de situações práticas como a que acompanhamos recentemente com uma estudante de nossa universidade, percebemos o quanto essa desigualdade se acentua diante de estruturas de poder estabelecidas e o quanto a vulnerabilidade se acentua com a omissão de quem deveria defender o hiposuficente e ao contrário o persegue. Até quando?
Mais que buscar culpados e vinganças, o desejo de restaurar a humanidade perdida pelos seres envolvidos nestas tragédias deveria ser também uma preocupação central do nosso sistema de justiça!!!!
Ana Maria de Barros* é Profa. Adjunta III da UFPE, Coordenadora da Licenciatura Intercultural Indígena da UFPE, Professora do Mestrado em Direitos Humanos CAC- UFPE e Vice- Líder do Grupo de Pesquisa: Educação, Inclusão Social e Direitos Humanos – UFPE/ CNPq.
Fonte: http://marchamulheres.wordpress.com/2014/12/09/entre-marias-clarices-e-karinnys-violencia-e-desigualdade-de-genero/
Nenhum comentário:
Postar um comentário