Nos últimos dias, uma pesquisa realizada pelo IPEA tornou-se tema das
conversas (e dos jornais, novelas, etc.) em todos os lugares. Segundo a
pesquisa, 26% dos
entrevistados concordam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser
atacadas”. O resultado chocou. Mas era previsível. Nosso Estado é machista, assim
como nossas instituições e mesmo nossas práticas cotidianas. Na verdade, creio
que o espanto maior foi deparar-se com esse fato assim, de uma forma tão crua e
escancarada.
Talvez, contudo, o pior tenham sido as reações que se seguiram. Várias
pessoas,especialmente
homens, postando fotos e vídeos sobre como, sim, mulheres mereciam
ser estupradas se não se “respeitassem” (entre aspas, entre muitas aspas). Foi
ainda mais chocante. Aqui, porém, quero falar sobre aqueles que não concordam
com a tal frase, especialmente com os homens que não concordam, pois,
concordando ou não, ser homem tem certos sentidos e significados que,
considerando como as coisas são hoje, não podem ser ignorados.
Eu escolhi me tornar um homem. Ainda que essa escolha seja
contingenciada por uma série de fatores que, de alguma forma, fizeram com que
tal escolha não fosse assim tão livre, passar por um processo físico e social
de “transição” foi, em última instância, uma decisão minha, tomada de forma
deliberada e consciente. Tornei-me um homem, mas não quero ser confundido com
esse modelo de macho, símbolo de violência, que é prescrito pela nossa sociedade
patriarcal.
Não posso negar que o almejado reconhecimento social da minha
masculinidade traz consigo os desconfortos de ser lido por muitas mulheres como
uma ameaça. É uma equação simples: homens são um vetor de violência; eu sou um
homem; logo, eu sou um vetor dessa violência. É uma leitura simplista e
automática, por certo, mas é a que é possível em diversas situações - no meio
da rua, ás 2h da manhã, as mulheres já se acostumaram a fugir dos homens,
sempre potenciais estupradores.
Eu não sou um estuprador. Mas o gênero que hoje performo é a
representação da ameaça desse ato de violência. Muitos homens se sentiram
ofendidos por serem tomados como violentos, assim, a priori mesmo. A esses homens, eu queria
dizer que ficar reclamando com as mulheres não vai ajudar em nada, não vai
mudar nada. Não são elas que estão erradas; somos nós!
De novo, eu não sou um estuprador, mas o meu gênero é, e isso eu não
posso negar. O que posso fazer é colaborar para construir uma nova cultura da
masculinidade. Uma masculinidade sensível, não-violenta, capaz de dialogar, em
vez de ameaçar. Vamos ressignificar o que é ser homem, em vez de ficar
proclamando quão injusta é essa generalização. Sentir-se pessoalmente ofendido
pela maneira com que as mulheres reagem, e atacá-las, ofendê-las por isso é
justamente continuar reproduzindo o problema, uma vez após a outra.
A minha masculinidade, uma série de vezes, entrou em contradição. Tenho
muitas experiências similares às relatadas pelas mulheres, afinal eu fui mesmo
uma adolescente. Como tal, sofri assédio no ônibus, tive que correr pra não
sofrer nenhum ataque em uma rua escura. Naquele momento, eu era o objeto dessa
violência. Mas, sendo esta tão generificada, passei de objeto a potencial autor
da violência. E só ficar repetindo que eu, individualmente, nunca pratiquei
esse tipo de violência não causa nenhum impacto.
Essa defesa cega dos atos individuais parece, na verdade, uma forma
ingênua (?) de demonstrar o quanto não somos capazes de chegar à raiz do
problema. Debater a masculinidade e procurar formas de ressignificá-la chega
quase a soar como a própria ausência de masculinidade. Como se negar o modelo
violento e opressor de macho fosse o mesmo que negar-se homem.
A culpa nunca é da vítima, é sempre do agressor e, quase sempre, a
vítima é uma mulher e o agressor é um homem. É preciso que os homens assumam,
sim, a responsabilidade pela violência que é perpretada pelos seus pares. Ainda
que eu (ou você!), especificamente, não seja um agressor, a responsabilidade
também é minha, uma vez que reivindico-me como homem.
Eu escolhi me tornar um homem. Mas, hoje, tudo que consigo sentir é
vergonha por ser um deles.
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