Nas últimas semanas, foi sucesso nas redes sociais este vídeo, no qual a pequena Riley, como gente grande, reflete sobre as questões de gênero na infância. Que tipo de influência você acha que a divisão dos produtos infantis por gênero - como objetos cor-de-rosa para meninas e azul para meninos, por exemplo - pode ter sobre o futuro das crianças?
“O
amor é lindo”. Com essa frase o apresentador Pedro Bial resumiu o assunto do
dia na internet e nas mesas de bar Brasil a fora. Um assunto sério, chato e
pesado para caramba. Um suposto caso de estupro em um programa de TV. Uma coisa
que não tem graça. Um escândalo. Ponto.
Um
dos participantes teria supostamente abusado sexualmente de uma moça enquanto
ela dormia apagada, bêbada. Horrível.
Acontecer
um abuso no BBB não me surpreende tanto assim. Infelizmente. Na edição passada,
um dos participantes descreveu em detalhes como um amigo seu fazia “mulher
sangrar” durante a transa. Assisti ao vivo. E aquilo foi uma aula de violência
contra a mulher (essa frase é chata, e esse texto não tem como não ser chato,
foi mal aí).
A
Globo tentar abafar o caso também não me surpreende. Vocês esperam mesmo que a
rede de TV esclareça o assunto claramente? Gente, o BBB é um PRODUTO feito para
a família brasileira e existe até boneco do programa vendido na parte de
brinquedo das lojas infantis!
Chocante
é ver o cinismo de Pedro Bial tentando ignorar o assunto. E também o machismo
que correu solto na internet o dia inteiro ao se falar do caso. “Quem bebe além
da conta não tem do que reclamar no dia seguinte. Se quer respeito, aprende a
beber”, escreveu um blogueiro com milhares de seguidores.
“Se
passou a mão na bunda, quem mandou, o vestido era muito curto”. A culpa é da
mulher, claro. Ela que não beba. Ela que use burca. Resumo do dia: cinismo e
machismo.
Ontem
à noite, houve um estupro ao vivo no BBB. Ou talvez não. Ou talvez sim. Afinal,
o que é um estupro?
Definir
agressões de modo restrito é o melhor modo de esvaziá-las.
Se
estupro for só entre estranhos em becos desertos com violência física, então
quase nada é estupro. Nós, homens, podemos forçar a barra com nossa amiga
bêbada e depois dormir de consciência limpa.
(O
mesmo argumento vale pra racismo, pra homofobia, etc. Se racista é só quem
lincha negro e chama de macaco, então quase ninguém é racista, problema
resolvido. Por que esses negros ficam se fazendo de vítima, hein?)
Mulheres não são estupradas porque são vagabundas ou usaram saia curta; elas são estupradas porque alguém as estuprou.
Estamos
há séculos ensinando as meninas como se vestir e como agir – para a segurança
delas, claro! Mas talvez fosse a hora de ensinar os meninos como não-estuprar.
Quando
ensinamos nossa filha a não usar saia tão curta, não é que estamos perpetuando
uma prática milenar patriarcal de controlar o corpo das mulheres! Nãããão! É
porque queremos o bem delas, pôxa!
Mas,
dentre esses pais que controlam as saias das filhas com tanta ênfase e afico,
quantos já usaram a MESMA ênfase e o mesmo afinco para controlar os hormônios e
os impulsos dos filhos? Para ter uma conversa franca e aberta sobre estupro e
escolha?
Como
já sabiam os portugueses e espanhóis que passaram pela América salpicando nome
de santo por todos os lados, definir é poder. Quem define o que é estupro,
racismo, homofobia já está a meio caminho andado de ganhar a discussão.
Se
homem engravidasse, aborto seria não só permitido e disseminado como ainda
inventariam toda uma narrativa cultural para enobrecê-lo: que quanto mais
abortos mais garanhão (“já comi trinta e abortei vinte e cinco, rárá!”); que o
primeiro aborto seria um rito de passagem (“meu filho é um hominho, já fez o
primeiro aborto!”), até mesmo que a dura decisão de abortar seria prova de
macheza e caráter (“quando o Clint fica assim caladão e sério é porque está
pensando em todos os abortos que já fez, que másculo!”).
Não venha me dizer como me vestir. Diga para eles pararem de estuprar.
Seria
importante os pais conversarem com os filhos sobre estupro justamente porque
não é fácil definir estupro. Se não é fácil em uma conversa civilizada na sala,
então é mais difícil ainda de madrugada, no fim da festa, com álcool na cabeça
e hormônios em fúria, entre duas pessoas que são tão falhas e fracas, tão
covardes e indecisas quanto qualquer um de nós já foi tantas vezes.
Sim,
é verdade: às vezes a gente não sabe o que quer, às vezes a gente muda de
ideia, às vezes a gente diz que quer mas não quer. Mas também é verdade que às
vezes a gente agride e é agredido, violenta e é violentado. E aí? Como saber
com certeza? Como definir? Em que momento “ai, ai, não, não” vira “não, não,
vou chamar a polícia”?
Nunca
temos certeza de nada nessa vida, mas recomendo a seguinte regra:em caso de
dúvida, não estupre.
Está
em poder dos homens erradicar a prática do estupro. Só depende de nós – e não
das saias das meninas.
O comediante norte-americano Louis CK (bem diferente dos nossos, que fazem piada sobre estupro) fala sobre aquele delicado momento em que, na dúvida, melhor não transar pra não dar merda depois.