15 de janeiro de 2012

Estupro: o que é, como não fazer

Ontem à noite, houve um estupro ao vivo no BBB. Ou talvez não. Ou talvez sim. Afinal, o que é um estupro?
Definir agressões de modo restrito é o melhor modo de esvaziá-las.
Se estupro for só entre estranhos em becos desertos com violência física, então quase nada é estupro. Nós, homens, podemos forçar a barra com nossa amiga bêbada e depois dormir de consciência limpa.
(O mesmo argumento vale pra racismo, pra homofobia, etc. Se racista é só quem lincha negro e chama de macaco, então quase ninguém é racista, problema resolvido. Por que esses negros ficam se fazendo de vítima, hein?)
Mulheres não são estupradas porque são vagabundas ou usaram saia curta; elas são estupradas porque alguém as estuprou.
Mulheres não são estupradas porque são vagabundas ou usaram saia curta; elas são estupradas porque alguém as estuprou.
Estamos há séculos ensinando as meninas como se vestir e como agir – para a segurança delas, claro! Mas talvez fosse a hora de ensinar os meninos como não-estuprar.
Quando ensinamos nossa filha a não usar saia tão curta, não é que estamos perpetuando uma prática milenar patriarcal de controlar o corpo das mulheres! Nãããão! É porque queremos o bem delas, pôxa!
Mas, dentre esses pais que controlam as saias das filhas com tanta ênfase e afico, quantos já usaram a MESMA ênfase e o mesmo afinco para controlar os hormônios e os impulsos dos filhos? Para ter uma conversa franca e aberta sobre estupro e escolha?
Como já sabiam os portugueses e espanhóis que passaram pela América salpicando nome de santo por todos os lados, definir é poder. Quem define o que é estupro, racismo, homofobia já está a meio caminho andado de ganhar a discussão.
Se homem engravidasse, aborto seria não só permitido e disseminado como ainda inventariam toda uma narrativa cultural para enobrecê-lo: que quanto mais abortos mais garanhão (“já comi trinta e abortei vinte e cinco, rárá!”); que o primeiro aborto seria um rito de passagem (“meu filho é um hominho, já fez o primeiro aborto!”), até mesmo que a dura decisão de abortar seria prova de macheza e caráter (“quando o Clint fica assim caladão e sério é porque está pensando em todos os abortos que já fez, que másculo!”).
Não venha me dizer como me vestir. Diga para eles pararem de estuprar.
Não venha me dizer como me vestir. Diga para eles pararem de estuprar.
Seria importante os pais conversarem com os filhos sobre estupro justamente porque não é fácil definir estupro. Se não é fácil em uma conversa civilizada na sala, então é mais difícil ainda de madrugada, no fim da festa, com álcool na cabeça e hormônios em fúria, entre duas pessoas que são tão falhas e fracas, tão covardes e indecisas quanto qualquer um de nós já foi tantas vezes.
Sim, é verdade: às vezes a gente não sabe o que quer, às vezes a gente muda de ideia, às vezes a gente diz que quer mas não quer. Mas também é verdade que às vezes a gente agride e é agredido, violenta e é violentado. E aí? Como saber com certeza? Como definir? Em que momento “ai, ai, não, não” vira “não, não, vou chamar a polícia”?
Nunca temos certeza de nada nessa vida, mas recomendo a seguinte regra:em caso de dúvida, não estupre.
Está em poder dos homens erradicar a prática do estupro. Só depende de nós – e não das saias das meninas.

O comediante norte-americano Louis CK (bem diferente dos nossos, que fazem piada sobre estupro) fala sobre aquele delicado momento em que, na dúvida, melhor não transar pra não dar merda depois.



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